quinta-feira, abril 30, 2009

ÍNDIOS TODOS OS DIAS
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Por Júlia Magalhães, especial para o Yahoo! Brasil
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Quem nunca ouviu falar no Curupira e no Saci? Nem conhece mandioca, guaraná, tapioca, ou nunca deitou numa rede? Esses são elementos da cultura indígena reconhecidos como parte da identidade nacional.
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Em 19 de abril comemora-se o Dia do Índio, mas há pouco o que festejar nos mais de 500 anos de contato. No Brasil, vivem mais de 500 mil índios em aldeias. São 220 etnias e 185 línguas diferentes. Mas a sociedade brasileira pouco compreende a realidade deles - por falta de informação ou preconceito. É o que afirma Betty Mindlin, antropóloga e autora de "Diários da Floresta" (Editora Terceiro Nome), lançado em 2006 e recentemente traduzido para o francês. Ela fala da complexidade da vida social, da organização econômica, da cultura e das relações de afeto dos índios e iniciou sua primeira grande pesquisa com o povo Suruí, de Rondônia, no fim da década de 1970.
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Assim como outras etnias brasileiras, os Suruí passaram por transformações intensas nos últimos 30 anos. "Não há nada que seja estático e não podemos querer que os índios não sofram influência de uma sociedade dominante. Eles estão sujeitos a isso, às religiões proselitistas", explica Betty. "Se por um lado observo coisas fantásticas, pois hoje eles falam por eles mesmos, estão organizados, por outro essa questão da religião me entristece. Os pajés estão calados por força de uma lavagem cerebral", conta.
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Mesmo com dificuldades, a população indígena brasileira cresce atualmente acima da média nacional, com índices de cinco e seis por cento ao ano. Mas a pressão pela integração à sociedade e a visão preconceituosa marcam o modo como a questão é tratada no País. "Muita gente tem dificuldade de nos entender porque ainda guarda a imagem antiga do índio nu, que não falava português. Hoje, temos contato com a tecnologia da sociedade não-indígena. São relógios, carros, computadores, telefones... Mas nem por isso deixamos de ser índios, pois temos a tradição", avalia Cipassé Xavante, cacique da aldeia Wedera, na terra indígena Pimentel Barbosa, em Mato Grosso.
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Cipassé trabalha para mudar essa percepção. "Trabalhamos com crianças e professores em escolas da região e damos palestras para estudantes universitários. A educação deve informar e o povo brasileiro não sabe, não tem informação. Esse é um exemplo de troca".
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O que é ser índio?
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A Organização das Nações Unidas (ONU) define como indígenas aqueles povos nativos que não se amalgamaram nos processos civilizatórios. Essa definição, no entanto, é insuficiente, embora sirva de base para discussões em âmbito internacional - caso da Declaração Universal dos Povos Indígenas, aprovada em 2007 por 143 países, incluindo Brasil, e que agora conta com a posição favorável da Austrália, até então opositora do texto, juntamente com Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia.
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No Brasil, índio é aquele que preservou um sentido de comunidade e de lealdade a um passado mítico, "que não é necessariamente um passado histórico", afirma Mércio Gomes, antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), onde ficou de 2003 a 2007.
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"Nos EUA, é índio quem tem 1/124 de sangue indígena. Na Bolívia, essa questão é um pouco semelhante ao Brasil, e ser identificado como índio depende de especificações e preservações de características comunitárias", explica. Para Mércio, o modo de ser dos povos brasileiros está extremamente conectado com a relação que estabelecem com a terra.
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A líder indígena e socióloga Azelene Kaingang, do Paraná, concorda e questiona a visão que não-indígenas têm do território. "A sociedade em geral pensa na terra com a visão do valor monetário: quanto vale a terra para compra e venda? Para os povos indígenas, a terra é a referência de identidade".
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Formada pela PUC do Paraná e funcionária da Funai em Brasília, sempre que pode vai à aldeia e pretende, em breve, voltar para ficar de vez. Ao definir o índio no Brasil hoje, dá a seguinte declaração: "Ser índio no Brasil é se sentir pequeno, se sentir diminuído frente aos direitos dos cidadãos brasileiros. Somos sujeitos de juízo e de pensamento. Isso é história, não é passado. Estamos sofrendo um processo de recolonização." Azelene refere-se ao julgamento da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal (STF), em 19 de março desse ano, que culminou na determinação de 20 condicionantes para novos processos de regularização fundiária.
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Uma vida plena de sentidos
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Betty Mindlin lembra da história de Pedro Agamenon Arara, em Rondônia, que passou mais de 30 anos sem saber que era índio. Ameaçada, a mãe de Pedro fugiu da aldeia quando ele ainda era pequeno e nunca ensinou a língua e os costumes. A antropóloga conta que ele redescobriu as raízes e hoje é um dos líderes de seu povo. Histórias como essa repetem-se por todo o Brasil. "Não há caminho curto para o fim da injustiça social. Mas esses princípios devem estar na educação das crianças, na escola. A história de Pedro é a história do povo brasileiro", fala Betty, que entende a decisão do STF como um retrocesso.
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"Não vejo porque é tão difícil para a sociedade entender os povos indígenas. É como a poesia de Cecilia Meireles: Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda..."
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Curiosidades
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Muitos índios têm um nome "branco" e um indígena. O sobrenome, muitas vezes, identifica a etnia a qual pertencem. Assim, Azelene é da etnia Kaingang, do Paraná, e Cipassé, Xavante de Mato Grosso.
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Mesmo que pareça estranho, uma convenção da Associação Brasileira de Antropologia estabelece que não se faz uso de plural para nomes de etnias. Portanto, falamos em "os Suruí".
Segundo dados oficiais da ONU, são cerca de duas mil etnias e 370 milhões pessoas que se consideram indígenas no mundo.
Atualmente, as terras indígenas compõe cerca de 13% do território nacional.

Fonte: http://br.noticias.yahoo.com/s/07042009/48/saude-indio-dias.html

TERRAS INDÍGENAS, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA

Prever o futuro é exercício para a força espiritual e a sabedoria dos pajés.

Mas o impacto das alterações no meio ambiente que o homem produziu ao longo dos últimos cem anos é sentido por todos, sendo uma das mais dramáticas a mudança do clima global. Um futuro pouco promissor parece chegar rápido, se nada for feito. O Brasil, por sua dimensão territorial e populacional, pela grandiosidade de seus recursos naturais e por seu desenvolvimento econômico, pode seguir dois caminhos distintos em relação às questões ambientais. Permitir atividades degradantes, sem a necessária preocupação com o meio ambiente, ou colocar-se como país modelo de uma nova relação do homem com a natureza. Num cenário de mudanças climáticas, não se pode desconsiderar a importância ambiental das terras indígenas. Além de garantirem a vida e a cultura dos povos que nelas habitam, essas áreas se aliam às unidades de conservação como mantenedoras da biodiversidade. São importantes para a conservação de vegetação nativa e nascentes das bacias hidrográfcas, e fundamentais para a garantia do equilíbrio do meio ambiente.
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A sabedoria dos índios em recriar seus ambientes, alterando-os sem, no entanto, deixar de preservar suas características principais, é conseqüência de serem as terras indígenas o local de manutenção de suas culturas e a base material de sua vida. Essa capacidade de relacionar o meio ambiente com a continuidade da cultura, da vida serve de lição para um mundo que imagina o crescimento da produção como único fator para a perpetuidade do ser humano.

*Luiz Fernando Villares
Na íntegra, acesse o link abaixo:
fonte:
http://www.funai.gov.br/ultimas/Brasil%20Indigena/Brasil%20Ind%EDgena%205%5B1%5D.pdf
AFINAL, O QUE É SER ÍNDIO?
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Identidade Indígena:


O imaginário nacional ainda está permeado por um modelo único e cristalizado do que é ser “índio”. Para a maioria dos brasileiros, ser indígena ainda signifca possuir imagem semelhante àquela que as fontes históricas registraram há aproximadamente 500 anos. Essa imagem de índio – corpo nu, cabelo liso e preto, habitante das matas, falante de língua exótica – recai como forte cobrança para os povos indígenas contemporâneos. Quem não se encaixa comodamente nesse estereótipo facilmente sofre a suspeição: mas ele ainda é índio? É índio de verdade? Curioso, se pensarmos que à nossa própria condição não aplicamos a mesma lógica. Não questionamos ou temos nossa “identidade” cultural colocada sob suspeita simplesmente porque não possuímos imagem similar à dos nossos antepassados. Ao olharmos os retratos dos nossos avós ou bisavós, estranhamos os trajes, utensílios domésticos, transportes, mas não deixamos de reconhecer nessas imagens algo que faz parte de nós. As diferenças não anulam o sentimento da pertença, justamente porque o que constitui a identifcação e a construção da vida coletiva vai além do que é aparente.
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Em 1997, durante a Semana dos Povos Indígenas, em Minas Gerais, tive a oportunidade de ouvir o indígena boliviano Carlos Intimpampa falar a respeito da resistência que as sociedades não-índias possuem em (re)conhecer os povos indígenas contemporâneos. Mediante o violento processo colonizador, os europeus disseram que os hábitos e crenças dos povos que aqui encontraram não eram “aceitáveis” e que era necessário que os indígenas falassem o seu idioma, rezassem para o seu Deus, comessem o seu tipo de comida, usassem o seu tipo de roupa. Os casamentos interétnicos foram estimulados como política de dominação, integração e assimilação. Após cinco séculos de imposição, indígenas possuem cabelos crespos ou loiros, usam camisetas, falam português, comem alimentos industrializados, usam celulares. No entanto, não é mais isso que se deseja dos povos indígenas. Deseja-se que eles retornem àquele modelo e àquela imagem de cinco séculos atrás.
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Carlos Intimpampa então questionou: “O que vocês querem, afnal?!”
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Segundo ele, historicamente cobra-se dos povos indígenas que eles sejam exatamente diferentes do que são, porque é assim que se estabelece e se mantém uma relação de dominação: nega-se o sujeito. Para ele, enquanto os povos indígenas não conseguirem garantir o (estranho) direito de serem o que são, a relação de submissão historicamente existente difcilmente será superada. O Brasil presenciou, nas últimas décadas, a proliferação de identidades indígenas. Povos que não eram reconhecidos como tal ou que foram considerados extintos pela historiografa ofcial anunciaram sua origem e reivindicaram direitos. A reação da sociedade – e aí o Estado possui papel de destaque – foi de suspeição e descrédito em relação a essas coletividades. Muitas vezes, tratados como “falsos índios” em busca de acesso a direitos especiais, eles sofreram discriminação e percorreram longa trajetória para se fazerem ouvidos. Estabeleceram uma relação singular com sua origem. E é com base nessa relação que esses povos têm elaborado sua razão de ser. Em função de uma origem pensada como comum e pré-colombiana, uma história compartilhada – marcada pelo processo de submissão e espoliação –, esses povos reivindicam destino comum e distintivo do restante da sociedade nacional, e possuem um forte senso de originalidade e solidariedade coletivas.
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Segundo o antropólogo João Pacheco de Oliveira, identifcar-se como indígena, nos dias de hoje, não pode ser entendido como simplesmente a busca por copiar modelos ou padrões que existiram no passado. Identifcar-se como indígena é algo muito mais profundo do que “resgatar” um antigo modo de ser, como se o tempo e a História não tivessem imprimido suas marcas. Identifcar-se como indígena supõe utopia, modo de ser e de encarar o futuro com base no passado, nessa origem pensada como comum e anterior ao período do contato. Ser indígena vai muito além de uma imagem. Muitos são os povos que lutam por poderem ser como são e ainda assim serem reconhecidos como indígenas pela sociedade.
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Se o nosso desejo é de fato romper com séculos de dominação e colonização na História brasileira, faz-se urgente ouvir esses legítimos sujeitos históricos, para nos despir de nossos (pré)conceitos e assim compreendermos quem são os povos indígenas no Brasil nesse limiar de século.
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* Vanessa Caldeira é mestranda em Ciências Sociais da PUC–SP.